sábado, 25 de fevereiro de 2012

BOCEJO


Tanja Krämer

Estou com raiva de mim mesma. Quero dizer, do dáimon. Ele tem me perturbado: "Escreve sobre o carnaval! Escreve, escreve, escreve!" Não consigo nem dormir.

O que você quer saber, dáimon? Vou ser sincera. Não consigo entender essa festa. Pelo menos aqui no Rio. A única diferença do carnaval para o resto do ano é o aglomerado de pessoas. As pessoas se comportam o ano inteiro mais ou menos desse jeito.

Ok, vamos enfatizar o "mais". Veja o que ocorreu semana passada no meu trabalho. Fizeram uma eleição da melhor fantasia. (A minha era de mera funcionária.) Uma das garotas resolveu se fantasiar de periguete. Ao menos foi o que entendi da roupa. Ela estava com um vestido vermelho bem justo, do tipo que se peidar rasga tudo. E tinha uma área equivalente a um lencinho. A garota calçava um par de luvas longas, vermelhas. Estava de salto alto. A novata do RH tentou se assanhar também. Foi com um shortinho preto e saltinho. Na hora lembrei de quando fui a uma festa a fantasia como odalisca. Perto delas, eu teria parecido a Viúva Perpétua. Mas conta ao meu favor eu não ter me vestido assim em ambiente de trabalho. Calhou que quem venceu foi um cara vestido de mulher. Gostei de ver as duas sendo derrotadas. Nem foi só por despeito. Refletindo na hora, pensei na palhaçada de tudo aquilo. Não me refiro à palhaçada da fantasia. Digo do problema de se esparramar vaidade. Quando alguém se veste com um lencinho, quer passar a sensação de ser uma maravilha. "Olhem para mim, vejam com sou especial!" Deixar os carinhas embasbacados é uma forma de provocar admiração. Você se torna o centro das atenções. É a mais desejada. Influenciar tanto a todos faz com que você se sinta mais viva. No caso da (fantasiada de) periguete, o negócio foi tão brabo que até uma magrinha sapatona ficou toda ouriçada. Para mim, nada daquilo tinha graça, e não só porque não sou sapatona. Tanta vaidade me aborrece. Daí que por mais que eu considere normal a reação imbecilizada dos caras (e até da magrinha sapatona), no fundo não sei como ninguém boceja diante de coisas assim.

Sono é o que sucede à bronca quando penso no carnaval. Ele me enche o saco por todas as mais óbvias razões. (Nessa época, acho mais fácil amar a Deus com todas as minhas forças e com todo o meu entendimento do que amar ao próximo mijão bêbado desbocado como a mim mesma.) Agora, o exercício abnegado de vaidade atinge um nível tal que me dá sono. No passado, todo mundo sabia que era a festa do burro. Era a época invertida. As pessoas sabiam que durante um período o ridículo tomava conta. Terminando o período, tudo voltava ao normal. Hoje não é mais assim. As pessoas levam a sério a farsa. Algumas até choram orgulhosas após sambarem por mais de uma hora. A vontade de chorar pode ser é sincera, mas não o choro. É uma baita forçação! No fundo, qualquer um (ou pelo menos a maior parte das pessoas) sabe que se exibir com um tapa-sexo por cerca de uma hora não é lá motivo de orgulho, muito menos de profunda realização pessoal. Por mais que a gente viva numa era carnavalesca (a reviravolta dos valores nada mais é que um carnaval sem fim), existe ainda algum rastro de senso da medida. Existe ainda uma diferença entre sinceridade e afetação. Uma coisa é a manifestação de alegria, outra é querer aparecer. Às vezes manifestar alegria pode parecer ridículo, mas querer aparecer sempre o é. Mas querer ser admirado no instante em que se é ridículo é a apoteose da babaquice, e não por acaso o final do Sambódromo é chamado de Praça da Apoteose. Considerando as coisas assim, pelo menos em mim cessa a bronca e advém o bocejo. É babaquice demais.

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